Lenguado à la Portuguesa

Nestes tempos de confinamento, ficar em casa e comer em casa, faz-nos falta um pouco de diversão com humor. Desta vez, inspirado num livro publicado em Espanha, uma receita com humor, mas que, com imaginação, também podemos fazer na cozinha. O livro Cocina Cómica foi publicado em Madrid em 1897. O subtítulo do livro esclarece que se trata de Recetas de Guisos y Postres, Poesias Culinarias y Otros Excesos, o que faz abrir mais o apetite. O seu autor é Juan Pérez Zúñiga (1860-1938), jornalista, dramaturgo e escritor humorista. Por vezes utilizava o pseudónimo Artagnán. Publicou mais de 60 livros de narrativa, 14 livros de teatro e 3 de poesia.

Vejamos como se confeciona este linguado à portuguesa com tradução livre de minha autoria:

Compra-se um linguado que tenha espinhas, pele e cabeça; porque se não seria impossível cumprir a primeira prescrição da receita, que consiste em tirar a pele ao linguado, decapitá-lo e tirar-lhe as espinhas.

Primeiro parágrafo com ironia. Comprar o linguado com pele, cabeça e espinhas para as poder tirar…

Sobre uma fonte, travessa funda, untada com manteiga de vacas «libre-cambistas» coloca-se o linguado. Tira-se o pó com um raposo (possivelmente uma escova com pelos de raposa) e rega-se com um bom vinho de Jerez, polvilhando-o de seguida com sal e pimenta para que não se «escueza». Feito isto leva-se ao forno com lume forte a fonte, e o linguado também, porque deixá-lo de fora seria uma tontaria.

O que seriam as vacas libre-cambistas? E a ironia continua ao limpar o pó com escova fina. Também o termo escueza não é fácil. Poderia querer dizer para que não se coce, ou para que não se empole!

Por outro lado, numa caçarola pequena que tenha o fundo inteiro, colocam-se 25g de manteiga e uma colherada de fécula de «chuleta de huerta» dourada no fogo. Junta-se o betume saído do linguado ao assar e meio copo de leite natural, deixando ferver este unguento 3 ou 4 (não trezentos e quatro, eh?) e passa-se por um coador para uma frigideira, juntando então ao molho uma quantas alcaparras «vergonzosas».

Chuleta de huerta podem ser batatas, e neste processo vai preparar-se o molho ao qual se juntam alcaparras envergonhadas, ou tímidas, o que poderá significar em pouca quantidade.

Chegado o feliz momento de servir o linguado, leva-se para a mesa honestamente coberto pelo molho atrás citado, e rodeado de um esquadrão de caranguejos cozidos que acompanham o peixe no seu triste fim como se fossem irmãos da paz e da caridade destinados a prestar-lhe doces consolos. Do linguado não tem mais remédios do que fazer línguas. Algum comensal de mau gosto pode ser que renegue o linguado. Ele não passará de ser um deslinguado desprezível.

Não precisa de explicações. O humor acutilante do autor vai até ao fim.

Em Portugal é o prato favorito dos académicos da língua.

Será que quer dizer os amantes da má língua, ou dos linguarudos?

Importante é ir para a cozinha com boa disposição e, em casa e confinado, nada como cozinhar e divertir-se.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

cocinacomica

Capa do livro do qual foi tirada a receita