Não adianta rebuscar definições mais simples do que chamar ao azeite sumo puro de azeitonas. No entanto encontrar definições nos especialistas dá-nos outro conforto: “Líquido oleoso extraído da azeitona que vai do amarelo ao verde, segundo as origens, utilizado na alimentação, indústria farmacêutica e cosmética, iluminação, lubrificação, etc”. Eis a transcrição de António Manuel Monteiro no seu imperdível livro “Palavras do Olival”. Eu não me esqueço da lengalenga / adivinhação que aprendi em criança e que, naquela época, me fazia pensar e só mais tarde entendi: “Verde foi meu nascimento, e de luto me vesti, para dar a luz ao Mundo, mil tormentos padeci”. Não é tão redutora a transformação da azeitona, nem tão dramático o seu percurso. Mas a azeitona enquanto fruto continua a ser um elemento encantador, indispensável na mesa portuguesa. A azeitona dá origem a um dos produtos da trilogia da alimentação mediterrânica, o azeite, ao lado dos cereais para a produção de pão e da uva para o vinho. E o azeite é tão importante para a fixação geográfica daquela alimentação que costuma dizer-se que a alimentação mediterrânica termina onde existe a última plantação de olival.
Desde sempre que o azeite é elemento da escrita. E em especial na Antiguidade Clássica desde Homero que o cita na “Ilíada” e na “Odisseia” a Tito Lívio na “História de Roma”. Ou no Antigo Egito quando Ramsés III oferecia oliveiras ao deus Rá “para que o seu azeite, símbolo de vida e de eternidade, possa guardar vivas as lâmpadas do seu santuário”. O azeite significava, “pela graça do Espírito Santo”, consciência, misericórdia e caridade. Parece que a oliveira se transformou, na Grécia Antiga, em árvore nacional desde que Atena a fez nascer, suplantando assim Posêidon na disputa pela posse de Ática. Em simultâneo o azeite transforma-se em elemento fundamental no culto àquela deusa. Tito Lívio escreve que Aníbal utilizava a qualidade calórica do azeite que era aproveitada para massajar os seus militares para os aquecer e dar força. Ainda hoje o azeite e as oliveiras são alvo de escritos como “No seu tronco torturado lê-se a história do mediterrâneo”, de Sylvie Briet.
Naturalmente que o gosto do azeite é função dos terrenos e clima, e sobretudo das variedades de azeitona que existem em Portugal: Cobrançosa, Verdeal, Madural, Cordovil, Galega, Lentrisca e Carrasquenha. Há no entanto alguns conceitos associados às características do azeite que, de facto, não interferem no seu nível de qualidade, como a acidez. Pela cor, geralmente encontramos azeites mais esverdeados que significa a utilização de azeitonas ainda verdes, azeites com sabor mais frutado e amargo ou picante sem que isso signifique que é menos bom. Por outro lado, e ainda em relação à cor, podem os azeites ser mais amarelados por utilizarem azeitonas mais maduras e que dão azeites mais suaves ao paladar. A importância do azeite e a necessidade de regulamentação levou à classificação em “Azeite Virgem Extra” quando é um azeite impecável, com sabor e cheiro a azeitona sã. Não apresenta nenhum defeito organoléptico. Acidez igual ou inferior a 0,8%. Apto para consumo direto. “Azeite Virgem”, é um azeite de boa qualidade, com sabor e cheiro a azeitona sã. Acidez igual ou inferior a 2%. Pode apresentar ligeiríssimos defeitos de cheiro e sabor. Ainda temos a designação de “Azeite” que é atribuída a azeite refinado, enriquecido com azeite virgem, aromático e frutado, com grau de acidez igual ou inferior a 1%.
A diversidade e riqueza de alguns dos nossos azeites, decorrentes da sua origem geográfica, levou ao reconhecimento do nome dessa região e assim temos atualmente as DOP’s Trás-os-Montes, Beira Interior, Ribatejo, Norte Alentejano, Moura e Alentejo Interior. A variedade de gosto tem que ver com a combinação de variedades de azeitonas e, para meu gosto, prefiro azeites complexos e ligeiramente picantes. A exemplo dos vinhos, não sou grande consumidor de azeites produzidos apenas de uma variedade de azeitona.
Mas o azeite, que todos reconhecem as vantagens na culinária, também é um elemento importante para outras áreas. Antigamente servia para massajar os corpos de atletas de alta competição, nas Antigas Grécia e Império Romano, também utilizado para outras competências associadas à pele. E as vantagens para a saúde? Nos anos 60 e 70 fomos quase compelidos a abandonar o azeite em favor de outros óleos vegetais. Até por razões clínicas! Abandonou-se algum cuidado com os olivais e agora as sociedades científicas voltam a recomendar o consumo de azeite, pela nossa saúde. E quantos poemas não foram escritos à luz de candeeiros de azeite? E depois a oliveira como símbolo da Paz. Que mais precisamos para honrar este “Ouro Virgem”?
© Virgílio Nogueiro Gomes
Junho 2011