Torta de Viana do Castelo – Foto © Joel Arezes C M de Viana do Castelo
As tortas, que são direitas, representam bolos que, confecionado simples, são depois cobertos com um creme doce e seguidamente são enrolados, ficando recheadas com o creme. Assim, tortas serão o que também se chama simplesmente por bolo enrolado.
Antigamente, e pelos registos mais antigos, também se davam o nome de “torta” a bolos compostos por camadas diferentes, sobrepostas, e cozidas em forma alta, e nela apresentada. Atualmente esse tipo de tortas caiu em desuso e tem vindo a rarear a sua apresentação. Seguramente a torta mais famosa na versão de bolo enrolado, é a de Viana do Castelo. A receita terá aparecido oriunda do Convento de Santa Ana de Viana do Castelo, em 1505. As primeiras freiras eram Clarissas e teriam vindo do Mosteiro de Vila do Conde onde já eram renomadas artistas doceiras. Para a confeção desta receita misturam-se gemas de ovos com açúcar e um pouco de farinha. Depois juntam-se as claras, das gemas, batidas em castelo. Deita-se a massa sobre um tabuleiro barrado com manteiga e forrado com papel vegetal também untado com manteiga, para ir cozer em forno. Depois de sair do forno, desenforma-se sobre um pano branco polvilhado com açúcar e barra-se com ovos moles e, depois, com a ajuda do pano enrola-se mantendo-se embrulhado por uns instantes para garantir a forma de rolo. Depois surgiram outras variedades de recheio e é habitual encontrar a Torta de Viana do Castelo recheada também com geleias de frutas, ou compotas. Esta torta era tão importante, e apenas preparada para ocasiões especiais, que inicialmente também se chamava Torta Real. Curiosamente, em 1936, Olleboma, publica no seu livro “Culinária Portuguesa” uma receita de “Torta de Viana Recheada de Camarão ou Bolo Económico de Camarão”. Trata-se de uma receita idêntica à torta doce, mas sem açúcar, que depois se recheia com um creme de camarão. Serve-se quente e cobre-se com um molho de tomate feito a partir de uma base de molho branco. Já experimentei e resulta muito bem.
Torta de Laranja de Setúbal – Foto © Maurício Abreu
Continuando na categoria de tortas doces, encontramos a Torta de Segredos, oriunda do Convento de Nossa Senhora do Carmo de Aveiro, e que seguramente deu origem às tortas de laranja. Esta torta é confecionada a partir de uma massa de gemas de ovo com açúcar e sumo de laranja. Esta massa vai cozer ao forno e, depois de cozer, é coberta com as claras, que sobraram das gemas, batidas em castelo com açúcar. Vai novamente ao forno e, quando as pontas ficam douradas, enrola-se tendo o cuidado de não deixar quebrar. Mas a Torta de Laranja, como hoje é mais conhecida, deve ter sido oriunda do Convento de Nossa Senhora da Conceição de Lagos. A torta é confecionada misturando sumo de laranja com ovos e açúcar. Vai cozer ao forno em forma barrada com manteiga e depois é enrolada polvilhando com açúcar. Esta também é muito conhecida por Torta de Laranja de Setúbal. Muito embora as laranjas do Algarve já fossem conhecidas pela sua qualidade e sabor, foi possivelmente pelo sucesso de enxertia das laranjeiras de Setúbal que obtiveram laranjas muito doces, que esta região escolheu a torta como um dos seus emblemas doceiros. É certo que em Setúbal esteve instalado um convento de Clarissas no Convento de Jesus onde está agora um museu. Curiosamente, deste convento, não recebemos nenhuma receita de torta mas outra receita de umas Gemas do Convento de Jesus que eram confecionadas com ovos, açúcar e sumo de laranja. Ainda hoje muita doçaria com laranja se associa à região de Setúbal.
Tortas de Guimarães – Foto © Paulo Pacheco C M de Guimarães
Apesar de a designação ser “tortas”, encontramos em Guimarães as suas tortas que mais parecem pastéis. A sua forma assemelha-se mais a este tipo de doce, mas como a designação local continua a ser de “tortas”, aqui são mencionadas. Guimarães é um local de grande tradição doceira onde existiu também um Convento de Santa Clara. A atual versão das tortas é encontrada em cadernos de receitas após a extinção das ordens religiosas, 1834, mas em documentos conventuais é frequente encontrar notícias das tortas sem que a sua receita seja apresentada. Excelente descrição encontra-se no livro “Doçaria de Guimarães” coordenado por Isabel Maria Fernandes. Primeira prepara-se uma massa de farinha com água e depois faz-se um rolo. Nesta forma é oleada com pingue de porco. Depois é estendida até que fique muito fina. É agora novamente oleada com pingue de porco, e fica enrolada, é untada com pingue de porco e fica de repouso durante a noite. No dia seguinte, o rolo de massa é cortado em discos e que se alargam manualmente. Sobre esta massa coloca-se o famoso recheio confecionado a partir de um ponto de açúcar, ponto de espadana baixo, ao qual se juntam amêndoas pisadas, gemas de ovo, pau de canela e cidrão cortado em pedacinhos. Coloca-se este recheio sobre a massa e embrulha-se, fechando bem as pontas, em forma de meia-lua, e a parecer um pastel. Vão agora estes “pastéis” ser mergulhados por pouco tempo, numa calda de açúcar em ponto de espadana. Depois polvilham-se com açúcar em pó. Eis um doce tão especial e que adquire o nome de Torta de Guimarães, que é uma das tortas mais diferentes, e não idêntica à designação genérica de “torta”.
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Tortas de S. Martinho de Penafiel – Foto © Casa Docinhos de Penafiel
Semelhante no nome, mas com alguns elementos diferenciadores, encontramos ainda outras tortas. Em finais do século XIX surgiram umas tortas, criadas pelo Senhor António Bento, das Terras de Basto, que se fixando em Penafiel divulgou as Tortas de S. Martinho, inicialmente confecionadas com massa de pão e posteriormente confecionadas com massa folhada. A grande curiosidade destas tortas é tratar-se de uma iguaria agridoce e, anuncio desde já, que pelo S, Martinho, lhe dedicarei uma crónica exclusiva. Doces por fora, polvilhadas com açúcar e canela, e salgadas por dentro com um recheio de carne ligeiramente picante. Vão a cozer ao forno.
Tortas de Azeitão
Quanto às Tortas de Azeitão, concelho de Setúbal, não há registos que nos permitam afirmar terem sido criadas em ambientes conventuais, mas terão nascido com cuidados de requinte caseiro. Estas são da categoria das Tortas de Viana, mas são feitas em tamanho pequeno que se pode considerar como um doce individual, que aliás é uma prática local. Para a sua confeção batem-se gemas com açúcar, e adiciona-se um pouco de farinha de trigo. Depois juntam-se as claras batidas em castelo. Coloca-se esta massa num tabuleiro que vai cozer ao forno, de forma que fique a massa clara e amarela. Corta-se a massa em pedaços de cinco por oito centímetros, barram-se com doce de ovos, ou ovos-moles, e enrolam-se. São uma presença constante em todas as pastelarias locais e muitas vezes acompanhadas por um bom Moscatel de Setúbal.
Recentemente começaram a aparecer umas tortas, com dimensão idêntica às de Viana do Castelo, mas na massa entram nozes e por isso se chamam Tortas de Noz. O seu recheio é habitualmente também de doce de ovos ou ovos-moles. Hoje em dia é fácil encontrar outras tortas e em especial confecionadas com tangerina, limão, cenoura ou amêndoas.
Rocambole do Brasil
De Portugal passaram ao Brasil mas adquiriram uma designação bem diferente pois chamam-lhes “Rocambole” e o seu recheio é doce de goiaba. Depois ainda há o Bolo de Rolo, reivindicado pela região de Pernanbuco.
Bolo de Rolo de Pernanbuco, Brasil
Qualquer destas escolhas, doces, saberá sempre melhor acompanhada por um bom generoso português.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes