Doces conventuais, ou não

 

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Antiga cozinha do Mosteiro de Tibães

Realizaram-se, em Braga, nos dia 30 e 31 de maio, 2014, as I Jornadas de Doçaria Conventual sob os auspícios da direção Regional de Cultura do Norte, nas quais tive a possibilidade de participar. As sessões decorreram no Mosteiro de São Martinho de Tibães e no Museu dos Biscainhos, locais de cultura e de encanto.

 

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Mesa da abertura no Mosteiro de Tibães

No primeiro dia, dedicado à investigação e história, depois da abertura tradicional, Ricardo Silva apresentou uma comunicação sob o tema “Entre a oração e o forno: as vivências das religiosas do convento dos Remédios na Época Moderna”. Seguiu-se com a lição de Anabela Ramos sobre “Os doces no tempo monástico do Mosteiro de Tibães”, e depois Margarida Vieira de Araújo apresentou “O Receituário doce do Mosteiro dos Remédios: tentativa de reconstituição”. Para terminar a manhã tempo para as “Tortas de Guimarães: um doce pastel do convento de Santa Clara”, por Isabel Fernandes. Depois do almoço, António Sousa falou sobre “Os fundos monásticos do Arquivo Distrital de Braga”. De seguida apresentei uma comunicação sobre “Doçaria conventual em Trás-os-Montes: dificuldades da sua inventariação”, e depois foi a vez de Dina de Sousa falar sobre “Saberes e Sabores: memórias da doçaria conventual de Coimbra”. A sessão continuou com a apresentação por Nelson Correia Borges sobre “Mimos e doces das monjas de Lorvão”, Isabel Drumond Braga dissertou sobre “A doçaria num receituário masculino: o caderno do refeitório de 1743", e este dia terminou com a palavra de Inês Mestre sobre “Rostos, gestos e palavras: produção e consumo de doces conventuais em Beja”.

 

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Mesa do segundo dia no Museu dos Biscainhos

No dia seguinte, dedicado à certificação (melhor dizendo, à qualificação), as intervenções começaram com Ana Paula Vale sobre a “Valorização da doçaria conventual”, depois Olga Cavaleiro apresentou o “Pastel de Tentúgal: a qualificação de um património intangível” e terminou com José Francisco Silva e o projeto “O percurso de qualificação dos Ovos Moles de Aveiro – Indicação Geográfica Protegida.” Seguiu-se uma visita à capela do extinto Convento do Salvador.

Durante a tarde, e dia seguinte, houve mostra e venda de doçaria conventual.

 

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Viuvinhas

Como se pode imaginar foram dois dias muito doces. Mas quando se fala de doçaria conventual tem que se ter alguma cautela pois as modas e a difusão de falsas informações são muito rápidas. Uma tónica comum, em muitas das comunicações do primeiro dia, é a dificuldade de elaborar uma lista correta do que é verdadeiramente a doçaria conventual. E esta definição de “doçaria conventual” merece alguma reflexão pois doçaria conventual seria o conjunto todos os doces que se produziam ou confecionavam nos conventos? Os espaços de confeção serão suficientes para a utilização dessa designação? Ou será que se deve evidenciar apenas as criações, invenções, de doçaria que aí nasceram? A definição deve abranger ambos critérios com exclusão da doçaria de tradição popular que se confecionava nos conventos mas de entrou por uma tradição anterior.

 

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Doce fino

Em muitos conventos se fazia arroz-doce. Não será por esse facto que podemos dizer que o arroz doce também é conventual. O arroz-doce à anterior à nacionalidade! O que poderá acontecer nos conventos é que seja aumentada a quantidade e qualidade de açúcar, usar gemas de ovos e eventualmente água de cheiro (de flor de laranjeira ou de rosas).

 

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Rosquinhas

Certo é que é vulgar encontrar em venda muita doçaria dita conventual e que é de criação recente. Toda a gente pode inventar pois é mais vendável se estiver associado a uma estória, é tão fácil imaginar, e a uma mesmo que remota tradição conventual. Raramente sabem o convento ou a fonte…!

 

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Fartens

Há ainda outros disparates no mercado e por exemplo afirmarem que o Pudim Abade de Prisco é, também, conventual. No último painel tive a oportunidade de sugerir que se devesse organizar uma lista oficial das receitas das quais se pode afirmar serem autenticamente conventuais. Na ausência do Estado com este tipo de preocupações culturais, a lista poderia ser organizada por um movimento associativo privado como uma confraria específica ou pela Federação da Confrarias. Estarei sempre disponível para este tipo de trabalhos voluntários, mas esclarecedores da verdadeira cultura do nosso Património Imaterial.

 

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Igreja do antigo Convento do Salvador, Braga

Por exemplo, habituem-se a perguntar de qual convento é oriundo, um doce, a que chamam conventual. Verão algumas hesitações, e muitas vezes ficarão sem resposta como a mim muitas vezes acontece.

Está de parabéns a organização destas Jornadas. Esperemos pela continuação.

Em força pela defesa da verdadeira doçaria conventual.

© Virgílio Nogueiro Gomes