Mandioca, rainha do Brasil

 

 

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Roubei este título a Luis da Câmara Cascudo que assim apelida a mandioca na História da Alimentação no Brasil (1983). De facto, a mandioca, e seus derivados, revelou-se como um elemento fundamental e estruturante da alimentação brasileira, e especialmente dos nordestinos. Produto comum em toda a América Latina, tem a curiosidade de ser no Brasil que o consumo está no topo. Nos outros países o consumo de milho é maior.

Em carta, Pero Vaz de Caminha envia a D. Manuel I o anúncio da chegada ao Brasil, terras de Vera Cruz, relatando os primeiros dias de contactos com o território e seus habitantes. A 27 abril 1500, quinto dia naquelas paragens, escreve sobre a população local … que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem… três dias depois, e já mais conhecedores do local, escreve que … eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra animália, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão esse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com tanto trigo e legumes comemos…

O que é relevante neste texto é a referência ao inhame, que seria a mandioca dada a parecença com o inhame já bem conhecido do Arquipélago dos Açores que os portugueses começaram a povoar a partir de 1432. Por outro lado, é curiosa a dedução que a robustez dos índios se deveria à alimentação baseada em mandioca e, portanto, mais forte que as farinhas de trigo a que os portugueses estariam habituados.

 

 

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Tapioca fina e mais grosseira

Mas, posteriormente, outros autores se referiram à importância da mandioca e especialmente porque é um produto autóctone do Brasil. Jorge Macgrave (1610 – 1644), um viajante/ relator inglês escreveu …O alimento geral dos indígenas é o Vi, que se chama, em português, Farinha de mandioca da qual há várias espécies.

Paula Pinto e Silva no livro Farinha, feijão e carne-seca (2005), que considera um Tripé Culinário no Brasil sendo que a farinha fundamental é a mandioca. O arqueólogo André Prous no livro O Brasil antes dos brasileiros (2006), e baseado nos cronistas do século XVI, escreveu que a mandioca era a base alimentar entre os Tupi, enquanto o mesmo papel era desempenhado pelo milho na região Guarani, de clima mais frio. A farinha de mandioca, misturada com a farinha de peixe torrada no moquém, que se conserva alguns dias, permitia dispor de reservas alimentares adequadas durante as expedições de guerra. Além do milho e mandioca, cultivavam batata-doce, feijão, pimenta, amendoim, abóbora e abacaxi. Plantavam algodão para fazer redes e tabaco para os rituais de defumação.

 

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Placas de polvinho e pães de queijo

Ainda Zelinda Machado de Castro e Lima no livro Pecados da Gula (1998) no capítulo “Comeres e beberes das gentes do Maranhão” afirma que …a cultura tupi-guarani era das mais adiantadas. Cultivavam mandioca, milho, fumo, feijões, abóboras e batata-doce.

Fascinantes são as páginas que Francisco Freire Alemão escreveu, em 1859, para descrever o Nordeste, relatos de uma viagem efetuada no âmbito da Comissão Científica de Exploração, nomeada pelo Imperador D. Pedo II. Nesses diários eram registadas a riqueza da flora e outros valores da Natureza, as construções, os acessos, os rios e lagos e, com muita frequência, as casas de farinha. Farinha de mandioca! A farinha de mandioca era uma riqueza, a principal atividade económica de pequena dimensão agrícola.

 

 

 

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Produto pronto para utilização posterior 

A mandioca é uma planta (Manihot esculeta Crantz), classificada como originária do Brasil, cujas raízes são ricas em amido e hidratos de carbono. O seu sucesso supõe-se que é devido ao facto de ser resistente à seca, e por se adaptar com facilidade a terrenos de pobre fertilidade. Seria a base alimentar dos povos indígenas segundo Joselito da Silva Motta (2013) até à chegada dos portugueses.

Macaxeira, e aipim são alguns dos nomes por que é conhecidos os principais subprodutos desta raiz alimentar. Macaxeira é o termo mais popular no Norte e Nordeste do Brasil e aipim em muitas outras regiões. De qualquer forma e analisando a etimologia das palavras, “ai-pi” que significa tirado do fundo e “maka-xera” que significa farinha de pau. Mas a mandioca revela-se um produto de base que dá origem a um conjunto de subprodutos que vamos ver a seguir.

 

 

 

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Farofa

Pois a raiz, mandioca, é um produto que na sua origem é venenosa. Apetece perguntar como se desenvolveu o engenho dos índios para a sua eliminação. Nas casas de farinha procede-se a uma lavagem especial, processo de eliminação do veneno. Depois é prensada ou moída e daí surge um caldo que dá origem ao famoso tucupi cuja maior utilização vamos encontrar na célebre receita de “pato no tucupi”, emblema da região amazónica de Manaus até Belém do Pará. Desse caldo ainda se obtém tiquira que dá origem ao que genericamente podemos chamar de uma “espécie de aguardente”.

 

 

 

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Paçoca

 

 

A massa obtida depois do escorrimento do líquido, dá origem ao que mais se conhece da mandioca que é a sua farinha da qual se obtém o “polvilho” ou “goma”, fundamental para placas e o pão de queijo com origem em Minas Gerais, e ainda toda a gama de “tapiocas” de grande consumo; beijus e biscoitos e outras preparações culinárias nos surgem no aproveitamento da farinha, conforme a dimensão dos grãos que a compõem. Da massa ainda se obtém carimã que ira dar a massa puba, fundamental para o bolo “Pé de moleque”.

 

 

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Bolo pé de moleque

O pé de moleque tem uma variação rústica, chamada Manzape. É a massa assada envolta em folha de bananeira, geralmente cozida em fornos de lenha. Continua a ser preparado e vendido em todo o Ceará.

O pirão, preparação culinária com farinha molhada em caldo, paçoca farinha socada com carne de sol e cebola, farofa farinha solta e torrada que serve de complemento a tanto receituário, mingaus que não são mais que papas de farinha de mandioca, petas que são pequenos biscoitos a partir de goma, … e uma enorme variedade de receituário que vale a pena descobrir. Ainda sobre paçoca deve ser referido que é feita nos processadores, mas o pirão ainda se mantém no sertão e onde a paçoca é levada a sério e não tratada como farofa.

 

 

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Tapioca com queijo e manteiga

 

O grande consumo parece ser as tapiocas ou beijus, espécies de crepes que podem ser polvilhados ou recheados com produtos variados. Parece que já no século XVI se comiam molhadas em leite de coco com açúcar e polvilhadas com canela! Hoje em dia coloca-se queijo, mel, e tantos outros produtos a gosto de quem as consome. É ver desde o pequeno almoço ao intervalo das grandes refeições. Há locais nas proximidades de Fortaleza que são verdadeiros locais de romaria e festa.

 

 

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Em linguagem e crendices populares a mandioca também arranjou espaço: É crença que as mães dão a cheirar aos filhos da parte que enverdou para que eles não urinem mais nas redes, Inácio Filho, 1969; e Ao arrancar-se um pé de mandioca não se deve gemer, pois do contrário ela fica amarga, Jornal de Brasília, 5 de outubro 1976.

Visitei em Fortaleza a casa Tapiocas “O” Osmar, fortalezense que herdou do Pai a arte e o sentido da tradição para trabalhar tapiocas, onde efetuei algumas fotos. Tive a ajuda imprescindível do meu Amigo Gilmar de Carvalho.

Bom Apetite!

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

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Tapiocas “O” Osmar
Rua Nunes Valente, 642
(Aldeota) Fortaleza - Brasil

 

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Badejo com puré de tapioca

 

 

 

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Escondidinho de tapioca com carne de sol

 

 

 

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Versão fast em supermercado

 

 

 

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Gelado de Tapioca com doce de goiaba