Biscoitos Académicos

 

 

0biscacad1

Durante os III Colóquios da Primavera que decorreram no Palácio Nacional da Ajuda, no âmbito de atividades do DIAITA, fui surpreendido com um projeto da Universidade de Coimbra: Biscoitos Académicos. A exposição da Professora Carmen Soares foi o suficiente para me abrir o apetite, lá rumei a Coimbra e pude assistir à apresentação e divulgação deste projeto, e também degustei os ditos.

A palavra biscoito remete-nos para um produto seco, geralmente pouco doce e com durabilidade prolongada. No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado podemos ver para o verbete biscoito: Do latim biscotu-, «cozido duas vezes». O duplo cozimento dar-lhes-ia a perenidade pretendida. Biscoito era um dos alimentos base que embarcava nas caravelas para durarem enquanto duraria a viagem sem data de chegada um porto seguro capaz de reabastecimento. Mas descansem, não foi essa a razão por que se continuaram a fazer biscoitos. Biscoitos confundem-se com bolachas ou bolinhos secos, e o rigor da designação perdeu-se... como a vida moderna!

A ideia, de retomar estes Biscoitos Académicos, terá nascido do estudo do livro “Cosinha Portugueza”, 1902, que é o primeiro ao qual poderemos chamar de culinária nacional e publicado em Portugal, pela Imprensa Académica de Coimbra. Não foi um livro sobre a comida elitista, palaciana e da nova burguesia. Tentava refletir uma comida mais abrangente para toda a população. Os Biscoitos Académicos estão integrados na seção de “doces de chá” que muitas vezes significava que se poderiam humedecer na bebida. Construída, possivelmente, para o grande grupo de estudantes e outros. Pela sua simplicidade e a forma como termina parece extraída de um qualquer caderno de receitas de famílias. E vejamos: Batem-se cinco ovos inteiros com duzentas e cincoenta grammas de assucar, até ficar a massa branca; depois junta-se-lhe as rasuras da casca de dois limões e a farinha precisa para se poder tender. Ora é esta forma de terminar, não especificando a quantidade de farinha que vamos encontrar em muitos cadernos de receitas. As receitas eram muitas vezes ajudas de memória para quem queria cozinhar, e a doceira ou cozinheira ira adicionando farinha até obter a elasticidade da massa que ela já conhecia...

 

 

 

 

0biscacad3

Por esta receita se percebe que fazer confeções culinárias diretas de textos antigos é uma aventura que pode ser desastrosa. Neste caso suponho que não se encontrou ninguém com memórias que ajudasse a entender os que seriam estes biscoitos. É que a receita nem sequer explica o seu formato, ou a sua forma de cozedura. Imaginamos com alguma certeza que não teriam, neste tempo, cozido duas vezes. A equipa de estudo releu, e muito bem, um texto encantador, que anda esquecido, publicado em folheto de oito páginas na oficina de Pedro Ferreira, Lisboa, em 1753. O texto, com o título “Bandeja de doces, réus de morte e de outras penas...”, doces julgados pelo Gula abusada que os doces provocariam, pode ser consultado na Biblioteca Nacional. Vale a pena ler o texto em forma de acusação aos doces, com ironia e sátira aos hábitos daquele tempo. Ora, no meio de Pão-de-ló, Açúcar Rosado, Alfenim, ... vem a Marmelada seguida por Pêssegos de Coimbra que deram inspiração para enriquecer os Biscoitos Académicos. Seguem-se ainda outras frutas e doces e termina a dizer que o Açúcar como cúmplice nos delitos de todos, por votos unânimes, foi queimado.

 

 

 

 

0biscacad4

Aqui está um excelente exemplo do percurso para transformar uma receita antiga, a explicação do novo produto introduzido e veremos que o seu acabamento faz todo o sentido, na versão final: ... dentro do espírito honorífico da receita, homenageia-se no produto do séc. XXI a identificação da sua pegada literária, dando-lhe a forma de pequenos livros recheados de doce de pêssego. Estes biscoitos são confecionados com farinha de trigo, açúcar, manteiga, ovos, doce de pêssego e limão. Para embalagem uma caixa reproduzindo a torre mais emblemática de Coimbra: a Torre do Relógio, vulgarmente chamada de “Cabra”.

A equipa do Doutoramento elaborou o projeto e criou uma receita exequível, introduziu os pêssegos e deu-lhe uma forma de livro em cozedura de forno. Fez um protocolo com uma empresa da área alimentar, Vasco da Gama – Nova Gama Gourmet, SA que produz e comercializa. Os projetos não devem ficar no âmbito da investigação ou experimentação. Os projetos são tanto mais interessantes quanto se integram no consumo. E aqui temos um bom exemplo do estudo, do conhecimento e da sua aplicação.

O lançamento dos Biscoitos Académicos decorreu com solenidade da Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. A marca “Biscoitos Académicos é propriedade da Universidade de Coimbra. Criou também um selo, que fecha as caixas de embalagem dos Biscoitos Académicos com a menção de “Heritage Powered By University Of Coimbra”.

 

 

 

 

0biscacad5

Na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra existe um Mestrado em Alimentação – Fontes, Cultura e Sociedade e um Doutoramento – Patrimónios Alimentares, Culturas e Identidades. Em Coimbra há também uma Licenciatura em Gastronomia num protocolo do Instituto Politécnico de Coimbra e a Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra. Todos os graus de Estudos Superiores em Gastronomia nos dias 22 e 23 de maio realizaram o II Encontro, que contou também com a participação do Mestrado em Ciências Gastronómicas da FC da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto Superior de Agronomia e ainda o Mestrado em Inovação Artes Culinárias da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Que ninguém se queixe da falta de ensino superior nesta área.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

0biscacad2