A Royal Lunch

Esta crónica é um convite a visitar o Palácio Nacional de Sintra e ver a evocação de uma refeição Real, com a instalação de uma mesa baseada nas descrições do dia 24 de março de 1905.

 

 

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A Diretora do Palácio Nacional de Sintra, Dra Inês Ferro, explicando o projeto

No Palácio Nacional de Sintra, de 5 de julho a 7 de outubro, na Sala das Pegas, estará patente a exposição “A Royal Lunch. A visita a Sintra da Rainha Alexandra do Reino Unido. 24 de março de 1905“. Este projeto, em colaboração com o Palácio Nacional da Ajuda, evocará o almoço oferecido no Paço de Sintra em honra da rainha Alexandra, consorte de Eduardo VII, a convite da rainha D. Maria Pia. A evocação manifestar-se-á através da reconstituição do ambiente decorativo da Sala das Pegas e da mesa sumptuosa posta por ocasião da vinda a Sintra da soberana britânica. Uma oportunidade única para ver reunidos no palácio de recreio de D. Maria Pia os requintados objetos e serviços de mesa (prata, porcelana e cristal) pertencentes a esta rainha. (Do programa de divulgação do evento)

 

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Menu

Importante evocação com sentido expositivo. Para a montagem da mesa a organização reuniu todo o material que teria sido selecionado para a refeição que ficou conhecida como o “almoço das três rainhas”.

 

 

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Aspeto geral de metade da mesa

Parte de um dos textos do catálogo que brevemente estará online:

...Estamos no tempo áureo do chamado serviço à russa que ditou o serviço moderno à mesa. Seria moda evidenciar detalhes nos menus de elementos associados ao convidado especial. Dado tratar-se de um almoço sentado e com rigor de protocolo, um rei e três rainhas, o serviço teria sido à russa, o mais prático e elegante nessa época. Possivelmente alguns pratos frios estariam colocados na mesa. Já a construção do menu é de cariz francesa, cozinha que ainda brilhava em toda a Europa. Reconhecemos que a cozinha francesa era a mais elitista da época também em Portugal que tinha como rainha Dona Amélia, princesa de França.

 

 

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Perspetiva da mesa

A presença de receituário francês é notória e maioritária, com receitas associadas a localidades: Montglas, Bordelaise, Bresse e Périgord. Recordemos que, mesmo em Portugal, estávamos a iniciar a publicação de receituário com indicação geográfica como é o exemplo do livro de Carlos Bento da Maia, Tratado de Completo de Cozinha e Copa, 1904. Reconhecemos neste menu uma composição rica e que veremos nos exemplos a seguir descritos. A presença da cozinha francesa é ainda evidenciada, mas com termos de confeção culinária, como Chancelière e à la Reine, que poderá ter uma dupla leitura, a significação de entrada de amêndoas na confeção e a palavra Reine para homenagear a rainha. A confeção à la Reine é vulgarmente também enriquecida com um creme de ervilhas frescas, juliana de aves brancas, trufas e cogumelos.

 

 

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Detalhe da mesa

Uma receita delicada são os ovos à Montglas, pequenas tartelettes com ovos mexidos com pedacinhos de presunto, foiegras e trufas, tudo ligado com um molho de vinho Madeira com tomate. O salmão à Genovesa é possivelmente o prato mais simples. Seguramente com salmão selvagem ligeiramente cozido e servido em prato com batata cozida e um pouco de salsa. Para acompanhar um molho com um caldo feito com a cabeça do salmão e legumes, junta-se manteiga, ervas aromáticas e vinho tinto, reduzindo para metade. No final mais um pouco de manteiga com essência de anchovas. Uma presença italiana, lembrando a Rainha Dona Maria Pia, também anfitriã do almoço, que era filha do primeiro Rei de Itália. Génova, à Genovesa, é capital da Ligúria, território vizinho das origens da rainha que é do Piemonte. De lembrar que a rainha teve ao seu serviço um chefe de cozinha e um ajudante, ambos italianos. O tornedó tenro de boa vitela viria acompanhado com um molho de carne com vinho de Bordéus. A presença de foiegras era quase obrigatória! Aqui num pequeno intervalo guloso servido em mousse à la Reine, que significa acompanhado por um molho, ou incorporado na mousse, elementos como amêndoas, e forçosamente cogumelos e trufas. As famosas galinhas engordadas de Bresse também estão presentes com um molho Périgord feito a partir de um caldo de carne com essência de trufas e com pequenos pedaços destas que lhes dão um gosto dominante. Os espargos glaceados, bem moldados na sua gelatina, acompanhados de molho Tártaro. Apesar da base do Molho Tártaro ser de origem espanhola foram os franceses que o tornaram famoso com a designação de Maionese. O molho tártaro também no Reino Unido obteve uma variante com o acréscimo de alcaparras e estragão.

 

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Detalhe da mesa

Em relação à Rainha Alexandra temos um Pudim Escocês que representa o país onde reina, e de onde o nome pudim é originário, e de divulgação rápida sendo uma designação nascida no século XIX. Trata-se de um tradicional pudim francês ao qual se adiciona fruta fresca. Apesar de a Rainha Alexandra ser a homenageada não haveria culinária identitária da Dinamarca, naquele tempo, e talvez por isso não haja nenhuma referência culinária. Ainda nas sobremesas um gelado, Vivienne, moda trazida por Catarina de Médicis para a corte francesa.

 

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Parte da equipa do projeto e montagem: Nuno Amorim, Inês Ferro, Fernando Montesinos e Cristina Neiva Correia

 

Um menu bem identificador da época sem reflexos da cozinha portuguesa que só viria às mesas de prestígio nos finais dos anos quarenta. Revela, contudo, um sentido de modernidade bem estruturado com entradas, caldo quente, peixe, duas carnes e acompanhamentos, sobremesa, gelado e pastelaria variada que poderia acompanhar o chá ou o café.

 

A não esquecer, até 7 de outubro.

 

© Virgílio Nogueiro Gomes