Sir Digby e Ovos à Portuguesa
Capa do livro de edição recente
Sir Kenelm Digby nasceu em 11julho 1603 e faleceu em 11junho 1665 tendo tido uma vida de várias turbulências. Foi cortesão da corte inglesa e diplomata. Filósofo espontâneo reputado, proferindo empolgantes palestras, foi líder do pensamento da Igreja Católica Romana. Esteve em França entre 1620 e 1623 e consta que a rainha Maria de Médicis esteve apaixonada por ele! Quando Carlos I assume a coroa, 1625, torna-se membro do seu Conselho privado, o que obrigou a converter-se ao Anglicanismo. Quando a rainha Henriqueta Maria casou com Carlos I, 1625, Sir Dibgy torna-se o seu Chanceler e exerce diplomacia junto do Papa Inocêncio X em favor da reconciliação com o Vaticano, sem sucesso.
Em 1627 torna-se corsário e chega a Gibraltar e captura alguns navios espanhóis. Segue para a Argélia devido a doença dos seus homens; conseguiu a promessa de melhor tratamento dos navios ingleses e obtém a libertação de 50 escravos ingleses. Depois de se juntar a um navio holandês obteve uma grande vitória sobre navios espanhóis e venezianos, mas ficou a recear a vingança.
Em 1633 faleceu inesperadamente a sua jovem esposa e ele terá pensado que foi envenenamento encomendado pelo que requereu uma autópsia, ato pouco vulgar naquele tempo. Em 1635 volta a ser católico e exilou-se voluntariamente em Paris. Regressa a Inglaterra em 1642 para apoiar o rei Carlos I. Mas Sir Digby é também muito conhecido por ser considerado o “pai” da garrafa moderna. Nos anos 1630s Sir Digby era proprietário de uma manufatura de garrafas de vidro, geralmente baixas e redondas. Fez vários estudos e começou a produzir garrafas mais resistentes, mais estáveis, mais altas, mais estreitas e com maior “colarinho”. O objetivo seria o de obter garrafas para mais fácil armazenamento e transporte.
Primeira página em facsimile da primeira edição
Desde 1638 que publica livros, mas o que mais reputação lhe valeu foi o livro de cozinha “The Closet of the Eminently Learned Sir kenelm Digbie Kt. Opnened” publicado em 1669, após a sua morte em 1665, por um seu servidor.
Entra em litígio com Carlos II, a partir de 1649, e depois foi banido da corte.
Ora é sobre esse livro “The Closet...” que hoje escrevo. Devo confessar que tomei conhecimento deste livro através do meu bom amigo Rogério Alcântara, do excelente restaurante Casa da Comida, Lisboa, que prontamente me enviou duas receitas “à portuguesa” que consta desse livro. Claro que não parei enquanto não tive um exemplar em meu poder! Para sublinhar, marcar, riscar e tranquilamente ler, traduzir e entender.
As duas receitas eram servidas à rainha Henriqueta Maria, princesa de França, e esposa de Carlos I. Seu filho foi Carlos II que casou com a nossa Princesa Catarina de Bragança, depois rainha e após enviuvar regressou a Portugal tenho sido regente do Reino.
As receitas são: “Caldo (de) Portugal, como era feito para a Rainha” e “Ovos à Portuguesa” com o detalhe de ser a forma como a Condessa de Penalva preparava para a Rainha. A minha primeira curiosidade era saber quem era a Condessa de Penalva e quais as suas funções na corte da Rainha Henriqueta Maria, seguramente não sendo cozinheira ou confeiteira.
Maria Drago de Portugal (1610 Portugal – 1684 Reino Unido) foi a 1ª Condessa de Penalva, filha de Marinha Drago de Portugal, e de D. Gomes de Melo (Alcaide-mor de Lamego). O título foi-lhe atribuído por D. Afonso VI em dois de abril de 1662 (em vida e extinto). Dona Catarina de Bragança era irmã do rei D. Afonso VI e chegou a Londres em maio de 1662. Nesta data a Rainha Henriqueta Maria já estava com residência em França. Será que a Condessa de Penalva tenha ficado na corte de Dona Catarina?
Imagem digitalizada do Caldo (de) Portugal
Imagem digitalizada de Portuguez Eggs
Ovos à Portuguesa
Receita simplificada dos “Ovos à Portuguesa”
O modo como a Condessa de Penalva prepara os Ovos à Portuguesa para a Rainha, é esta. Tome as gemas de doze ovos do dia. Bata muito bem as gemas com uma colher cheia de água de flor de laranjeira. Quando ficar líquido e claro, e fino como um licor, junte uma libra (cerca de meio quilo) de açúcar puro com dupla refinação, aquecer em lume brando mexendo sempre até obter uma massa uniforme, com a consistência de Electuary, pode comer-se de imediato, ou colocar em recipientes para guardar. Também pode dissolver Ambergreece (âmbar grego) na água de flor de laranjeira ou água de rosas.
*Electuary – medicamento composto de extrato de plantas ou de substâncias minerais pulverizadas, incorporadas com mel ou açúcar.
Como produto final obtemos um creme parecido com os ovos-moles sendo que estes começam com um ponto de açúcar ao qual se juntam as gemas. Neste creme nota-se a presença de água de cheiros. Para a confeção desta receita tive a cumplicidade da minha boa amiga Berta Lopes do excelente restaurante Marquês da Varjota, Fortaleza, onde experimentámos e provámos.
A terminar o ano de 2018, aproveito para desejar a TODOS um excelente NOVO ANO 2019.
© Virgílio Nogueiro Gomes