Viagem a Trás-os-Montes
Há muitos anos que não passava tantos dias seguidos na “minha terra”, doze, distribuídos por três locais de pernoita: Mirandela, Bragança e Alijó. Apesar de poder pensar que conheço as tradições alimentares locais, sou sempre surpreendido, mas peço muitas vezes iguarias que me surgem na memória do tempo em que era quando era residente. Tenho sempre o sentimento de me sentir no Reino Maravilhoso que tão bem foi descrito por Miguel Torga. Vários autores transmontanos registaram nos seus escritos tradições que se mantêm ou memórias de hábitos alimentares fundamentais como é o pão e, para além da “Oração do Pão” de Guerra Junqueiro, também P.e Belarmino Afonso escreveu um livro, esgotado e a merecer uma nova edição, com o título O Cozer do Pão, 1982.
Em Torre de Dona Chama fui surpreendido logo no “mata-bicho” (pequeno almoço) com uns excelentes “Económicos” que depois também foram servidos no final do almoço. Os “Económicos” são uns bolinhos sempre presentes em feiras e romarias e para os quais já encontrei mais nove denominações: “Azeiteiros”, Borrachões”, “Desgovernados”, “Farta Garotos”, “Mascotos”, “Matrafões”, “Pelotos”, “Pobrezinhos” e “Sodos”. Há também quem lhes chame simplesmente “Bolos de romaria”. Tiveram honras de estarem incluídos no meu livro Doces da Nossa Vida, 2014, no qual podem encontrar a receita.
Económico
Depois de duas noites em Mirandela, com uma visita a Torre de Dona Chama para participal no Capítulo de Outono da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos de trás-os-Montes e Alto Douro, rumei a Bragança onde fiquei por cinco noites.
Chegado a Bragança comi dua vezes um peixe que raramente encontro noutras regiões do país: Congro. Este peixe, que encontramos na costa portuguesa muitas vezes incluído nas caldeiradas, raramente aparece isolado como proteína principal. As zonas de interior como Trás-os-Montes e Beira Interior têm uma tradição de consumo possivelmente porque seria o peixe que menos se estragava na viagem da costa para o interior. Sabemos que algumas religiões, como a Judaica, não consomem peixes sem escamas e seria uma oportunidade de detetar que não comia para ser acusado por ser judeu. Mas a explicação mais plausível parece ser a de que, por baixa da sua pele consistente, há uma camada gelatinosa que protege a carne das variações de temperatura.
Congro grelhado
Outro filho do mar é o polvo: cozido, grelhado ou estufado com vinho ou não. Mais um produto do mar que desde o passado era fácil conservar através de secagem. Depois é só hidratar. Nesta região ainda não chegou a moda de servir polvo miniatura, ou polvinhos ou polvozinhos, que com frequência me enganam. Agora já me habituei a perguntar pela dimensão do molusco e por vezes esqueço-me e quando me chega a miniatura fico irritado comigo pois deveria ter perguntado. Em Trás-os-Montes polvo é polvo!
Polvo grelhado
Filetes de polvo com ervilhas tortas
Não há melhores carnes do que as transmontanas quer se consuma bovino, suíno, caprino ou ovino. Verdade absoluta para quem é transmontano. É impensável vir a esta região sem fazer várias refeições de carne, apesar de a minha dieta alimentar contemplar mais peixes do que carnes. Eu fui educado com a velha tradição: “leitão de um mês, cabrito de três”. E com a idade dos animais também não gosto de ser enganado. Neste país quase só surgem “vitelas” nas listas dos restaurantes, o que nos servem são as avós e bisavós das vitelas.
Costeletas de cordeiro
Posta de vitela
Desta vez fugi um pouco dos doces. Comi em Alijó um Bolo Borrachão muito agradável, mas que, com a conversa, me distraí e não o fotografei.
Tive a oportunidade de conhecer em Favaios uma mulher deslumbrante, padeira que diz espontaneamente toda a verdade, a sua sabedoria, a Dona Manuela Barriguda. Além de a ouvir na Núcleo do Museu do Pão e do Vinho, fomos de seguida fazer uma visita, com prova, à sua padaria. Local imperdível.
Trás-os-Montes é sempre um local inesquecível. Conheçam Trás-os-Montes para vosso prazer.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Pão de Favaios