Bolo de mel da Madeira

 

 

 

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O bolo de mel da Madeira é seguramente o mais representativo doce do arquipélago e também o mais conhecido. E o seu sucesso deve-se especialmente ao facto de utilizar na sua confeção um conjunto de produtos “novos” e ainda à sua durabilidade. Depois de confecionado mantém as suas qualidades durante cerca de um ano. Não será estranho que a Madeira, primeiro local dos Descobrimentos, tenha tido uma importância especial, pela sua localização estratégica, para o avanço no Atlântico. De facto, “Portugal proporcionou uma projeção global, baseada nas ligações inter oceânicas…”, segundo Russell-Wood no seu livro Portugal e o Mar, 1997. Refere ainda que a dianteira de Portugal nesta aventura se deve possivelmente ao facto de “…a confiança derivada de ser o primeiro estado da Europa da era moderna, unido sob uma só monarquia, uma só língua e uma só religião.” “Portugal foi o primeiro país, e durante muito tempo o único, que estabeleceu relações comerciais multioceânicas simultâneas: no Atlântico, no Índico e no Pacífico, no mar do Sul da China e nas águas da Indonésia.” E a Madeira é o ponto de partida, e o primeiro local de chagada dos novos produtos. Uma singularidade deste bolo é não ser é confecionado com mel de abelhas mas com o mel de cana de produção local.

 

 

 

 

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O açúcar foi sempre um produto desejado. Depois das infrutíferas tentativas de produção de cana-de-açúcar no Algarve, a Madeira revela-se com potencialidade para a sua produção. Possivelmente oriundas da Sicília, inicia-se a plantação a partir de meados do século XV e em meados do século XVI havia já 33 locais de produção de açúcar que no século XIX diminuirão para apenas 5, segundo informação da investigadora Ana Marques Pereira. Este declínio deve-se com certeza ao desenvolvimento de engenhos do Brasil. A instalação de cana-de-açúcar na Madeira deu origem a um texto extraordinário de Augusto José Monteiro e publicado no seu livro Três estórias (pouco) doces. Mas dos produtos novidade para este bolo encontramos o cravinho, a canela e o mel de cana. Possivelmente o mais estranho era na época o cravinho, “…aquela sensação picante que o cravinho esmagado lhe deixava na boca. … Serve para tudo. Cozinhar, fazer conservas, mastigar para tirar dores e até como afrodisíaco.” “Vou guardá-lo para esta noite. Para saborear depois de um copo de vinho tratado. … Posto no sítio certo, um cravinho forte e de boa qualidade pode fazer maravilhas.” Assim relatava Romesh Gunesekera no livro O Colecionador de Especiarias, publicado nas comemorações dos 500 anos do Funchal. Os produtos que entram na confeção deste bolo levam a que este seja considerado o doce português com mais variedade para ser preparado. Mas vejamos quais são os ingredientes: farinha, açúcar, mel de cana, banha de porco, manteiga, fermento de padeiro, bicarbonato de sódio, erva-doce, cravinho da Índia, canela, mistura de especiarias, nozes, miolo de amêndoa, cidrão, uvas passas, vinho da Madeira e laranja. Hoje em dia ainda se consideram duas grandes variedades deste bolo: rico e caseiro. Esta distinção é dada pela utilização total dos ingredientes ou pela supressão de alguns. Para finalizar o doce, decora-se com meias nozes, amêndoas e com o cada vez mais raro cidrão cristalizado.

 

 

 

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Vários autores sugerem que a origem do bolo de mel seja conventual, tendo encontrado citações que indicam a sua origem no Convento de Santa Clara ou no Convento das Mercês. Outros defendem a sua origem na tradição inglesa do seu famoso pudim de Natal. Não está, no entanto, garantida documentalmente a sua origem. Revela efetivamente o encontro de culturas nas quais surge o cruzamento entre a novidade do doce e as delicadas especiarias., e chegou até nós como um produto invulgar e sugiro que em vez de tentar confecioná-lo é muito fácil comprar e experimentar as várias receitas.

Manda a tradição que o Bolo de Mel da Madeira não seja cortado à faca. Assim devem-se retirar pequenos pedaços com as mãos e, como se diz na minha terra, escachar o bolo, como se vê na foto. Muitas vezes o bolo e apresentado sobre panos com o famoso e delicado bordado da Madeira.

 

 

 

 

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Certo é que por tradição este bolo era confecionado para a festa de Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de dezembro, e que se manteria como elemento obrigatório durante todo o período natalício até ao dia de Reis a 6 de janeiro. Segundo a tradição o bolo de mel aguenta um ano e é hábito nos primeiros dias de dezembro consumir os bolos que restaram do ano anterior. Inicialmente seria embrulhado em papel vegetal e agora em papel celofane. Um dos locais mais antigos e de produção continuada é na antiga Fábrica de Santo António estabelecida desde 1893.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Texto parcialmente publicado no meu livro “Doces da nossa vida”, Marcador, 2014

 

 

 

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