Trufas, início da sua visibilidade em Portugal

As trufas sempre representaram um elemento rico numa confeção culinária elitista. Em Portugal nunca tivemos tradição de consumo e as trufas ficam para a culinária cara de restaurantes, e alguns banquetes.

 

 

 

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Menu servido em Turim em 1862 e oferecido pelo Rei Vitor Emanuel II para celebrar o casamento da sua filha Rainha Maria Pia com o Rei D. Luis I de Portugal – Faisans et Becassines, sauce Truffes blaches

O Rei Vitor Emanuel II ofereceu ainda um banquete em Génova, no dia seguinte, cidade de onde a Rainha Maria Pia embarcou com destino a Portugal. Do menu consta: “Gélinotes, sauce Truffes blanches”.

As primeiras receitas portuguesas com trufas surgem no livro de Lucas Rigaud, Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, …, de 1780: “Capões ou frangos com trufas” e “Rolas e codornizes à Périgord”. Na primeira não especifica o tipo de trufas usadas, mas na segunda admitimos que são pretas pela denominação “Périgord”.

No livro O Cozinheiro Completo, 1ª edição de 1849, obra em várias edições e destinada a cozinheiros, da Typ de Luiz Correia da Cunha não consta nenhuma receita cuja denominação contenha “trufas”. No livro O Cozinheiro dos Cozinheiros, obra coordenada por Paulo Plantier, 1870, não apresenta, também, nenhuma receita com “trufas” na sua denominação. No entanto, tem um conjunto de receitas elitistas. Surge um texto cujo título “Conhecimento das Tubaras” e que se poderia assumir como se de trufas se tratasse, diferenciando as brancas das pretas.

 

 

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Trufa preta

 

O livro seguinte é Arte de Cosinha, de João da Matta e publicado em 1876, e já apresenta cinco receitas com trufas: “Filetes de galinha au Suprème truffés” (são filetes de galinha depois cobertos com Molho Suprème com trufas), “Pequenos pasteis folhados de fígado com trufas”,  “Assado de codorniz com molho à Perigueux” (o molho é que tem trufas confecionadas com vinho Madeira), “Pato ganso recheado e com truffas” (picam-se trufas para fazer uma massa com carne de porco e ovos e depois jantam-se mais trufas. No final cobre-se com Molho Perigueux), “Blanquette de gallinhas à l’Écarlate Truffés” (as trufas são colocadas sobre os pedaços de galinha e depois tudo coberto com molho). Nunca refere o tipo de trufas usadas, mas podemos inferir que as duas receitas “à Perigueux” serão preparadas com trufas pretas.

Na obra Grande Enciclopédia da Cozinha, de Maria de Lourdes Modesto, Verbo, 1960, contempla os dois termo: “Trufa” e “Túbera”. O primeiro remeto-nos para as trufas tradicionais ou as mais conhecidas, e o segundo envia-nos para o Alentejo onde se encontra um produtos semelhante à trufa branca, mas com uma menor intensidade de cheiro, e de preço. Das definições parece que “tubaras” serão o termo português para trufas e “túberas” serão o produto similar, mas com cheiro menos intenso, que encontramos no Alentejo, e na Beira Baixa.

 

 

 

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Trufa branca

© Mortazavifar (CC-BY-SA-4.0)

Sabemos, no entanto, que as trufas são um produto alimentar conhecido na antiguidade e constam na lista de alimentos de O Livro de Cozinha de Apício, edição traduzida e comentada por Inês Ornellas e Castro, Editora Relógio d’Água, 2015. Também Alexandre Dumas no Mon Dictionnaire de Cuisine, 1870, dedica-lhe elogio extraordinários e considera-as como o “sacrum sacrorum” dos gastrónomos. Considera que as trufas poderiam ter chegado a Roma vindas da Grécia e da Líbia. Cita ainda Brillat-Savarin que trata a trufa como “o diamante da cozinha”.

Num texto com título “Truffe noire”, Alain Ducasse, no seu livro Le Diccionnaire Amoureux de la Cuisine, Editora Plon, 2003, escreveu: “A trufa vem do latim «tuber» que quer dizer tubérculo. Desde sempre, ela alimentou os mistérios e as lendas, as hipérboles e as superlativos. Conta-se que apareceu um dia de uma forma inexplicável, sobre a areia, na Líbia, onde monges a teriam encontrado. Se sabemos que durante as orgias romanas se fazia um grande consumo, não sabemos, todavia, hoje, como explicar os destinos que originaram a sua mágica aparição” … “Quando a trufa branca do Piemonte desaparece, a negra faz a sua aparição” … “A trufa, quanto a mim, gosto dela crua, inteira, ou bem picada, esmagada com o garfo, cortada em pequenos dados ou em lamelas, em sumo ou em vinagreta, na sopa, em salada, fria e também morna, como delicioso casamento da trufa com a batata, um regalo único, que faz realçar a rusticidade de um tomate confitado.” (tradução minha da edição em francês). Há um menu com as armas reais, de 25 de abril de 1866 (pertence a uma coleção privada), de uma refeição “Souper” (ceia) com o seguinte prato: “Filets de poulet sautés aux truffes”. O menu foi impresso na Imprensa Nacional.

Vejamos outros menus:

 

 

 

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Menu no Palácio da Ajuda 1876 – Galantine de poulets truffés à la Dauphine, e Dindes, sauce Perigueux

 

Tenho já manifestado a minha opinião sobre quando e porquê a trufa entrou em Portugal. Atribuo essa chegada coincidente com a chegada de Rainha D. Maria Pia de Saboia, depois de casada com o nosso Rei D. Luis I, 1862. A rainha é oriunda de uma das regiões mais ricas de trufas brancas (Piemonte) e o território da casa de Saboia ia até à proximidade da região da trufas pretas (Périgord). A Rainha teve ao seu serviço no Palácio da Ajuda um chefe de cozinha e de um cozinheiro, italianos, e seguramente habituados a confecionar trufas.

 

 

 

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Menu privado em 1879 – Suprême de vollailes truffé

 

 

 

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Menu privado em 1883 – Buissons de truffes nappées

 

 

 

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Menu no Palais de Cascaes em 1886 – Croquetes de Poulete aux truffes

 

 

 

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Menu no Palais Royal de Cintra em 1892 – Croquetes de gibier aux truffes

 

 

 

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Menu no Real Paço de Villa Viçosa em 1896 – Oeufs brouillés aux truffes

 

Na coleção de menus do Palácio Nacional da Ajuda encontramos ainda:

3 de abril 1887 – Pâté chaud de poulets aux truffes

8 de abril 1887 – Filets de sole à la perigueux

18 de abril de 1887 – Dindon à la perigueux

20 de abril de 1887 – Chevalière de poulets aux truffes

20 de abril de 1887 – Dindon rôti à la perigueux

21 de abril de 1887 – Côtelettes de poulets à la piemontaise

24 de abril de 1887 – Croquettes de ris de veau, aux truffes

25 de abril de 1887 – Côtelettes de pigeons au riz à la piemontaise

27 de abril de 1887 – Pintades à la perigueux

29 de abril de 1887 – Riz à l’italienne, garni de truffes

29 de abril de 1887 – Poulets rotis à la perigueux

1 de maio de 1887 – Croquettes de dinde aux truffes

6 de maio de 1887 – Riz de truffes à la piemontaise

14 de março de 1892 – Epigrammes de poulardes à la Pièmontaise

14 de março de 1892 – Chapons et perdrix à la perigueux

19 de abril de 1892 – Dindon à la Perigueux

17 de março de 1893 – Croquettes de volaille aux truffes

… e mais 24, sendo o último de 21 de fevereiro de 1909.

Outra grande e importante coleção de menus é a do Palácio Ducal de Vila Viçosa. Tem o livro Menus da Família Real, 2019, que pode ser adquirido naquele palácio, e no qual se pode observar a importância da utilização de trufas na cozinha, e patente nos menus.

Bibliografia interessante para melhor entender as trufas:

Manuel de l’Amateur de Truffes, MARTIN, Alexandre, Hachette Livre, edição fac simile de 1828 ;

Manuel de la Truffe, PÉBEYRE, Pierre-jean et Babeth e BRISSAUD, Sophie ; Éditions Sud Ouest, 2022

 

© Virgílio Nogueiro Gomes