Quando há cerca de um ano escrevi a crónica “7 Maravilhas… à mesa!”, estava longe de imaginar que me iria envolver, pelo menos emocionalmente, tanto. Não é possível ficar à margem de um evento que mexe com as nossas tradições à mesa. Mas voltando à minha crónica, eu levantava algumas questões sobre a dificuldade de estabelecer um critério, diga-se regulamento, que fosse pacífico e garantisse algum rigor para chegar aos 21 finalistas para votação do público. Aceitemos que este evento é um concurso no qual só participam as receitas que foram inscritas. Possivelmente houve falta de tempo para aperfeiçoar o Regulamento ou para maiores inscrições. Perante as receitas finais, só haveria que votar nas preferidas e esquecer o que ficou pelo caminho. Não impede de termos pena que algum receituário não estivesse a concurso.
Parece-me, no entanto, que este tipo de eventos se justificam para dar mais visibilidade aos setores considerados, a promover os mesmos e, especialmente deveriam servir para melhorar a nossa autoestima e melhorar o orgulho que devemos sentir pelas “nossas” coisas. Poderá ter defeitos, imprecisões, questões mal esclarecidas mas, uma vez em marcha, não se volta atrás.
Participei na votação para obtenção dos 70, e participei ainda na votação para os 21 finalistas. Com muitas dúvidas, e por vezes o voto era destinado a uma receita por exclusão de partes, ou por ser um mal menor, e ainda por regionalismo pessoal. Portanto, alguns votos, de forma emocional. Não sendo fácil, ou possível, ter 7 regiões gastronómicas a opção foi definir 7 categorias para classificar o receituário: Entradas, Sopas, Mariscos, Peixes, Caça, Carne, e Doces. Se é pacífica esta arrumação, levanta ainda algumas dúvidas quando chegamos aos nossos enchidos e aos queijos. Sendo que o concurso é destinado apenas ao receituário inscrito, há categorias que ficaram muito aquém do expectável, faltando receitas que são emblemas de uma cozinha mais requintada. É o caso dos mariscos e da caça. Por outro lado os queijos não encontravam espaço, e o melhor exemplo é o “Queijo Serra da Estrela” que nos surgem nas entradas quando gastronomicamente parece um absurdo começar uma refeição com um gosto intenso, e um elevado teor de gordura quando de seguida queremos um peixe de sabor e textura mais delicados. Mas realmente não tinha outra categoria para se encaixar.
Sem querer polémico, e apenas expressando a minha opinião pessoal, ou o sentido do meu voto, irei referir todos os componentes das categorias a concurso. Nas Entradas estão a concurso “Alheira de Mirandela”, “Pastel de Bacalhau” e “Queijo Serra da Estrela”. Naturalmente, e aqui vai o meu bairrismo, voto na alheira independentemente de quer saber, ou não, se a de Mirandela será a melhor. E depois eu gostaria mais que a alheira fosse considerada um prato de carne (até para afastar a famigerada de bacalhau), e à Transmontana. Quanto ao pastel de bacalhau, que se transformou num ícone nacional, a sua origem que eu atribuo ao Minho e não a Lisboa. Lisboa é, possivelmente culpada da sua decadência pela junção excessiva de batata. Quanto ao queijo já escrevi atrás o que penso.
No referente a Sopas, grupo pacífico, tenho o “Caldo Verde” como uma sopa nacional apesar de variar o tempo de cozedura conforme as regiões, e variar também a qualidade de chouriço ou chouriça, e ainda os diferentes tipos de pão que o acompanham. A “Açorda Alentejana” seria a de minha eleição por representar o Alentejo tão abandonado neste concurso. O Alentejo merecia mais participações. A “Sopa da Pedra”, quase uma refeição completa, é uma boa sopa representando bem a sua região.
Nos Mariscos a minha escolha é fácil e vai para as “Ameijoas à Bulhão Pato” que tenho já defendido como um excelente representante da cozinha portuguesa. Quanto ao “Arroz de Marisco”, em toda a nossa costa de fazem arrozes e cuja origem ainda não conseguir encontrar no tempo e nem nos registos disponíveis. O “Xarém com Conquilhas”, ou xerém, é uma curiosidade local e a merecer desenvolvimento. Mas onde ficaram as cataplanas?
Nos Peixes, quando apregoamos com orgulho que “temos o melhor peixe do mundo”, honramos o bacalhau com uma das melhores receitas que é o “Bacalhau à Gomes de Sá”. Peixe fresco lá fica a sardinha, de forte enraizamento popular, sendo nós dos poucos países a promover o seu consumo em grelhado direto. Temos Marrocos vizinho que, em algumas cidades portuárias, a consomem da mesma forma. Depois ficamos o polvo utilizado fresco em algumas costas e antigo alimento de subsistência no interior pela sua capacidade de secagem e fácil hidratação. O meu voto, apesar da gloriosa sardinha, vai para o bacalhau.
Questão delicada prende-se com a caça. Bem fizeram as regiões que propuseram as receitas finalistas. Temos que lamentar que outras como o Alentejo e Trás-os-Montes e Lisboa não estejam presentes. Perante a pouca escolha, fugi para a perdiz.
Todos estaríamos à espera de ver receitas em elogio às nossas carnes qualificadas. Nem Mirandesa, nem Barrosã, nem Maronesa, nem Arouquesa… Depois a falta do cabrito que eu considero o prato nacional das festas. E o borrego alentejano? Bem, dos três finalistas fico com muito agrado com o Leitão à Bairrada que tantas vezes me obriga a sair da autoestrada. Mas teríamos muitas mais receitas de suínos do Norte ao Sul do País. Depois por uma questão poética, as Tripas à Moda do Porto.
O grande capítulo da riqueza portuguesa à mesa são os doces. Tanto de origem conventual como de origem popular. Como escrevi no início, com este evento também deverá promover e divulgar o receituário com características nacionais. Ora a questão dos Pastéis de Belém, sendo uma marca registada, só poderão ser consumidos naquele local. Aqui o meu voto seria em duplicado para o “Pudim Abade de Priscos” e para os “Pasteis de Tentúgal”, para ficar com a boca bem adoçada.
Escrevi este texto antes da divulgação dos resultados. A publicação será já com os eleitos finais. Não poderei, portanto, influenciar alguns indecisos. E mantenho a minha opinião apesar do descontentamento de algumas receitas.
O importante é que este evento levou o país inteiro a discutir sobre o assunto. A Gastronomia Portuguesa sairá sempre vencedora.
Bom Apetite! Mas estas maravilhas saberão ainda melhor acompanhadas por um bom vinho português, generosos incluídos.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Agosto 2011
Para quem não saiba, ou não se lembra, aqui ficam os vencedores por ordem alfabética:
Alheira de Mirandela IG
Arroz de Marisco
Caldo Verde
Leitão da Bairrada
Pastel de Belém
Queijo Serra da Estrela DOP
Sardinha Assada