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(Frangos no Espeto, do Churrasco)

No princípio era o ovo (seria?), do qual nasceu um pinto, que cresceu e virou frango e em adulto cresceu e virou galinha, que os homens aprenderam a cozinhar para lhes dar proveito e prazer. A discussão continua. Primeiro o ovo ou a galinha? Se foi o ovo, quem o chocou? Se foi a galinha, como ela própria apareceu?

Alguns autores continuam a considerar o dinossauro voador Archeopterix como o animal que deu origem à galinha que hoje conhecemos. Não sei se será assim, sei que o frango, ou a galinha, são animais utilizados desde sempre. Darwin considera que a galinha domesticada, como hoje a conhecemos, deriva da galinha vermelha selvagem oriunda da Índia e da Indochina. Estudos mais recentes atribuem a sua origem a outras espécies da Ásia Meridional, sabendo que a galinha já seria domesticada desde o Período Neolítico. Notícias da China também fazem referência já desde o século XIV A. C. Com a civilização romana identificamos a sua presença e criação pelos agregados familiares, e entra em quinze receitas no livro de cozinha de Apicus, como a ave que tem mais preparos diferentes. Mais próximo do nosso tempo, e na Península Ibérica, encontramos na obra de Ibn Razin al-Tugibi, século XIII, um registo de quarenta e nove receitas, o que revela a importância do frango, ou da galinha, na alimentação da época nesta região e que se poderia entender com o Magrebe incluído. Curiosa é a carta de pero Vaz de Caminha informando o rei D. Manuel I da descoberta do Brasil. Como nas embarcações que fizeram as descobertas transportavam animais vivos, quando chegavam aos supostos destinos descarregavam os animais. A grande surpresa para os índios foi quando descarregaram as gaiolas com galinhas, e quando as libertaram começaram a cacarejar e correr, o que assustou os índios. E lá chegaram os frangos e galinhas para criação e desenvolvimento no Brasil, e o sucesso está na sua atual produção que coloca o Brasil num dos maiores exportadores de frango do Mundo. Mais tarde, e no primeiro registo escrito de receitas portuguesas, o caderno de receitas da Infanta D. Maria (século XVI), com apresentação de oito receitas e mais uma para utilização dos peitos de frango que depois de cozidos e pisados em almofariz serviam para engrossar o famoso “Manjar-branco”, uma sobremesa deliciosa, e de prestígio, para a época. Frango e galinha são a principal carne deste caderno. Também D. Sebastião parece gostar de galináceos. Na sua extraordinária jornada ao Alentejo e Algarve, em 1573, “El-Rei jantou de uma galinha e de um capão que comeu e gabou muito”. A quarta dinastia de Portugal (1640-1910) tinha grandes apreciadores, e conta-se que D. João VI era frequente comer coxas de galinha, e a tradição de comer frango, ou galinha, manteve-se em Portugal e foi uma prática deixada também no Brasil. D. Pedro II do Brasil era seu apreciador e há várias referências designadamente em relação à canja. A canja é um bom exemplo do consumo destes galináceos, depois de Garcia da Orta ter regressado da Índia onde reconheceu os seus poderes curativos. Por isso, ainda hoje a canja é facilmente associada a alimento para doentes, ou convalescentes. Mas se o frango e a galinha entraram no quotidiano da nossa alimentação, nunca lhes demos a atenção de produto de elite e para alta cozinha. Em Portugal parece termos vergonha de alguns produtos populares para os assumir em grandes confeções ou confeções mais elaboradas. Então em banquetes parece produto proscrito. Lembro bem, de uma viagem que fiz acompanhando o nosso Primeiro-ministro em visita oficial ao México, no banquete oferecido pelo Presidente da República, o prato principal era frango recheado com cogumelos locais. Mas continuando com a observação do receituário nacional, Domingos Rodrigues, 1680, apresenta catorze receitas comuns para frangos e galinhas, depois dez receitas específicas para frangos e nove para galinhas, sendo que uma é para um caldo e outra para almôndegas. O peito de galinha continua a ser utilizado para engrossar a massa do Manjar branco e Manjar real. A galinha é também utilizada como componente nas Olla Podrida e Olla Moura, que são as receitas que antecedem o nosso Cozido à Portuguesa. É evidente que estas receitas pertencem a uma elite alimentar e frangos e galinhas continuam a ter muita importância. Mas mais importante é a sua presença no autor seguinte, também cozinheiro da Corte, que apresenta cinquenta e uma receitas de frangos e galinhas para além de manter o peito de frango para os doces atrás referidos e ainda como elemento para vários caldos e sopas. O número de receitas aumenta e, assim, parece poder concluir que os galináceos estariam em valorização. Mas eis que chegamos ao século XIX, e no primeiro livro profissional, Arte de Cozinha de João da Mata, 1876, vemos uma redução significativa pois apenas apresenta dezoito receitas entre frangos e galinhas. Estas entram ainda na confeção de alguns caldos. Fascinante é o conjunto de receitas apresentadas no livro “Cozinheiro Nacional”, de autor anónimo, mas atribuído a Paulo Salles, e publicado entre 1874 e 1888. O número de receitas diretas é de setenta e quatro, o que revela bem a importância destes animais de criação levados pelos portugueses. No primeiro livro do século XX, Tratado Completo de Cozinha e Copa, de Carlos Bento da Maia, 1904, que é um livro também voltado para a economia doméstica aparecem vinte e duas receitas e uma delas refere que o caldo de frango é destinado a doentes. Parece o início dos frangos e galinhas com papel importante nas famílias e menos nas mesas de elite. António Maria de Oliveira Bello, no primeiro inventaria de cozinha portuguesa, 1936, surge com dez receitas de frango, uma de galinha e uma de sopa. O frango entra também na Dobrada à moda do Porto. Também entra a galinha no Cozido de Trás-os-Montes.

O que temos hoje em dia de frangos e galinhas? O prato mais vulgarizado é o Frango de Churrasco quer no espeto, quer na grelha. Depois o Frango ou Galinha de Cabidela com as particularidades do “Pica no chão” que o meu amigo Fernando Torres bem pratica. Ainda no Minho o frango ou a galinha é parte dos Sarrabulhos à moda de braga ou do Bouro. Também temos o Arroz de Cabidela que tanto se pratica no Minho, como em Trás-os-Montes e Beira Alta, e ainda no Alentejo. Mas de arroz também temos os “malandrinhos” com frango ou galinha. Receita emblemática é a do Frango na Púcara da zona central de Portugal, origem reivindicada de Óbidos até Tomar. Receita curiosa e tradicional na região de Coimbra é a de “Galinha com molho de leitão”, galinha assada e acompanhada com molho semelhante ao do famoso Leitão da Bairrada. A receita que parece mais elitista é a Galinha Cerejada, ainda em prática no Algarve. Trata-se de uma galinha cozida em água com toucinho e chouriço, alho e muita salsa. Depois de cozida é corada por igual num tacho com um refogado de cebola e alho, com azeite, banha de porco e manteiga. Quando estiver quase pronta rega-se com vinho branco. É muitas vezes o prato de festas. Depois temos em todas as regiões as suas pequenas, mas saborosas, receitas regionais como a Galinha Azeitonada de Trás-os-Montes, ou a Açorda de Galinha, com grão-de-bico, do Algarve, e muitas mais. Os frangos ou galinhas cozem-se, grelham-se, assam-se, guisam-se, de fricassé, com Molho de Vilão e de cebolada. Mas o Alentejo celebrizou-se pelas suas Empadas de méritos tão reconhecidos.

Antigamente galinha à mesa era símbolo de cozinha abastada. Interrompia-se a produtora de ovos para fazer uma confeção mais consistente. Ainda me lembro de a galinha ser para as festas e o frango para o quotidiano. Não sei se a produção em grande escala de frangos de aviário, que levaram a ser um produto barato, é que popularizou o seu consumo e desapareceu dos cardápios mais elaborados. Recentemente. A única receita nova que surgiu e se instalou parece ser frango ou galinha recheados com farinheira…

Os cozidos do norte não abdicam da sua presença, bem como as Tripas à moda do Porto. Ainda hoje me lembro, quando o meu Pai viajava até ao Porto, no regresso trazia-nos sempre uns franguinhos assados de Baltar. Parece que estou ainda a sentir aquele gostinho peculiar que os fazia reconhecer. Confesso que não aprecio os franguinhos cortados aos pedacinhos, pois parece sempre faltar um pedaço do frango… Comer frango assado, prática semanal no Churrasco, que tem o melhor frango de Lisboa, é quase como o ritual de comer uma cabeça de peixe cozido.

Bem, faltarão algumas receitas e falta escrever sobre o capão e peru que deixarei para outra oportunidade.

Não esqueçam que qualquer receita saberá melhor se acompanhada por vinho.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

(Galinha Ensopada)