O Cozinheiro Imperial

 

 

czi1 

Capa da edição de 1996

No seguimento da procura de receitas “à portuguesa” publicadas em livros estrangeiros desde 1611 até 1900 apresento hoje mais um livro que merece explicações pela sua escolha. Além de ser o primeiro livro de cozinha publicado no Brasil acontece em 1840 e num período em que o Brasil já era independente desde 1822 e, portanto, é estrangeiro para nós. Depois da primeira edição houve uma segunda em 1843 com a inclusão de textos como: Advertência à Presente Nova Edição, Método para Trinchar e Servir Bem à Mesa, Adendo Sobre Boas Maneiras à Mesa, Banquetes Comuns e Especiais para Qualquer Época do Ano, Banquete Especial à Francesa, Modelo de Banquete o que Oferecer a Uma Alta Personalidade, e Para os Gentis-Homens que Estiveram Acompanhando o Convidado. Termina com um Glossário dos termos de cozinha. Em 1996 foi feita uma nova edição com adaptação de Vera Sandroni e prefácio de António Houaiss. Foi sobre esta edição que estudei as receitas “à portuguesa” não tendo tido acesso às edições de 1840 e 1843.

Pouco se sabe sobre o seu autor. Supostamente chefe de cozinha do início do Império do Brasil, o livro está assinado por R. C. M. O livro encontra-se organizado conforme moda da época por capítulos de categoria de produtos e depois textos a complementar sobre as formas de cortar, trinchar, e servir à mesa, e ainda sobre banquetes. De notar que se evidencia o chamado serviço “à francesa” e a transição para o serviço “à russa”. Assim os capítulos sucedem-se pela sequência: Sopas e Caldos; Carnes; Aves, legumes e Verduras; Molhos; Ovos; Leite; Massas, Doces; Compotas; Método para trinchar e servir bem à mesa; e Banquetes. A edição de 1996 tem ainda um texto inicial Observações sobre a primeira edição, uma Advertência à presente nova edição e um Glossário. Supostamente C. R. V. seria chefe de cozinha. Era seguramente um entendido em culinária, culto e poeta em simultâneo. Quando lemos as receitas de Doces, muitas delas terminam com versos em rima.

No Prefácio assinado por António Houaiss, edição de 1996, pode ler-se: Mas não será sem surtos de espanto e de graça que irá vendo que a «bonne chère», em que tanto pesavam (ou levitavam) a culinária francesa e a portuguesa, já então não afastava com falsos pudores os elementos físicos de nossa geoecologia comestória nativíssima, quer de nossos ameríndios, quer de afro-brasileiros, quer de estrangeiros que aqui se iam radicando, quer, enfim, dessa demografia de tudo isso resultante, que faz da culinária brasileira tão brasileira.

A origem do receituário é muito variada. Curiosamente aparecem algumas receitas com a designação de origem de alguns países: 9 à italiana, 7 à inglesa, 5 à francesa, 3 à holandesa, 2 à alemã, 2 à espanhola, 2 à polonesa, 2 à prussiana, 1 à moscovita e 1 à suíça. Há muitas mais receitas identificadas com a tradição francesa como à Chambord, à Chantilly, à Maître d´’hôtel, em Court-bouillon, à Béchamel... e outras.

Quanto a nós, apresenta 8 receitas à Portuguesa: Sopa à portuguesa, Coelho de cebolada à portuguesa, Coelho de molho de vilão à portuguesa, Galinha com arroz à portuguesa, Chicória à portuguesa, Favas à portuguesa, Compota de maçã à portuguesa e Compota de pêssego à portuguesa. Aparecem ainda mais receitas que identificamos pelo nome, e particularmente os Bolinhos de lagosta à moda ou Algarve ou Ovos moles de Aveiro. Outras receitas aparecem com as designações que em Portugal já estavam escritas no século XVI como Alfitete, Mourisa ou Olha-podrida. Sobre olla podrida, já mencionada no livro “Arte de Cozinha” de Domingos Rodrigues, 1680 com edições não atualizadas até ao século XIX. Em O Cozinheiro Imperial, para além da receita que se assemelha à de Domingos Rodrigues (o nosso Cozido à Portuguesa), apresenta o termo Olha francesa (pot au feu?), e uma Fina olha moura, com a indicação de serem originalmente feita sobre borralho, em fogo a lenha, durante 24 horas. Mais curiosa é a quarta Olha-podrida em massa que é o cozido ser colocado em panela forrada com massa e com ela coberto, e ser uma tradição de Entrudo.

O livro é, de facto, um marco importante na edição de livros de cozinha no Brasil. Apesar de não evidenciar receitário à brasileira conseguimos observar receitas de tradição local. Curioso é ter apenas 1 receita com o nome Brasil: Doce do Brasil, que me parece uma canjica muito doce. Tem outras receitas que revelam uma brasileirice reconhecida. Apesar de se sentir a influência de outos países, especialmente Portugal e França, as receitas têm pequenos detalhes de adaptação ou escolha local e que perduraram, muitas delas, até aos nossos dias.

Apenas apresentarei uma receita digitalizada do livro: Sopa à portuguesa.

 

 

 

czi2

Não sei se ainda se fazem destas sopas em Portugal. Sopa que deve ser boa, e saber bem em período de inverno. O * remete-nos para uma cebola inteira com cravos da índia espetados.

Em breve voltarei a este livro com mais uma crónica.

© Virgílio Nogueiro Gomes