Aletrias

Habitualmente denomina-se “Aletria” e não no plural com fiz para este título. E isto porque vou escrever sobre variações de “Aletria”, ou receitas que utilizam esta titularidade. Estamos na época durante a qual podemos encontrar esta sobremesa e que faz parte da obrigatoriedade comemorativa do Natal especialmente no Minho e em Trás-os-Montes. Alguns restaurantes, para meu consolo, também servem este doce fora do período natalino.

Já publiquei neste site, em 2013, uma crónica sobre aletria que poderão reler clicando aqui. E também publiquei uma outra crónica , em 2016, sobe uma receita especial de aletria que é uma tradição no Iraque que poderão reler clicando aqui.

Não irei repetir o conteúdo daquelas crónicas, mas apresentar outras fontes ou outras formas de confecionar aletria. E vou começar por citar o livro O Cozinheiro Completo, ou NOVA arte do cozinheiro e de copeiro…, Anónimo, e publicado em Lisboa pela Typ. De Luiz Correia da Cunha, com primeira edição em 1849, e transcrevo as duas curiosas receitas publicadas na nona edição de 1873, corregida e aumentada e editada pela Livraria do Editor J. J. Bordalo:

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Creme de aletria,

que não sendo uma receita tradicional é, no entanto, uma sobremesa elaborada e delicada que poderão alguns recriar. Detalhes curiosos são cortar a aletria com tesoura, coze ligeiramente em água, escorre-se e repousa-se. Vai depois acabar de cozer em leite, juntam-se gemas de ovo, açúcar, manteiga clarificada, aparas de casca de limão e flores de laranjeira de conserva. Faz-se uma cama de claras em castelo e depois coloca-se a aletria, polvilha-se com açúcar e vai ao forno.

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Aletria d’ovos,

recriação de uma receita antiga que resulta num produto semelhante aos fios de ovos.

 

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No invulgar livro Formulario para Cozinha e Cópa. Coordinado, por hum Curioso da Provincia do Minho, anónimo e publicado no Porto pela Typogrphia de D. António Moldes, em 1860, com encadernação de luxo com as siglas do autor, J. B. P.P., esta bem detalhada receita:

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Aletria,

Preparada com leite e açúcar refinado, e gemas. Dá a possibilidade de se fazer sem leite e sem gemas.

 

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Em outro livro anónimo, Novissima Arte de Cozinha, por um Mestre de cozinha, editado em Lisboa por Tavares Cardoso & Irmão, em 1889, encontramos no capítulo “Entremeios de Doce” a seguinte receita:

 

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Aletria com ovos molles,

trata-se de uma receita semelhante à anterior, Aletria d’ovos, mas cuja denominação nos parece enganar, não é “com ovos molles”, mas a confeção dos fios de ovos.

 

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No livro Cosinha Portuguesa ou Arte Culinaria Nacional, editado pela Imprensa Academica de Coimbra em 1898, obra invulgar pelos seus objetivos para obter rendimento para obras de assistência. Este livro, invulgar, teve uma segunda edição em 1902, de mais fácil acesso. Apresenta uma receita de “Aletria doce” que podem ler nesta imagem:

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Aletria doce,

esta receita tem vários detalhes a reter. Molha a massa em água antes de cozer em leite, as gemas e o açúcar são batidos em conjunto e só depois adicionados à massa, e depois a delicadeza da água de flor de laranjeira que lhe dá um sabor elegante. Infelizmente está a perder-se o hábito de juntar água de cheiros nos nossos doces.

 

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No início do século XX, 1904, é publicado o livro Manual do Confeiteiro e Pasteleiro, pelo editor Arnaldo Bordalo de Lisboa, cujo autor é desconhecido, encontramos duas receitas:

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Aletria de ovos,

Mais uma receita semelhante a fios de ovos, aqui sugere que com ovos moles ou massapães no meio pode servir-se.

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Aletria dôce,

Receita de aletria tradicional, coze em água, não usa gemas de ovos, mas entra água de flor de laranja.

 

 

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Para terminar um livro ainda de 1904, Real confeiteiro português e brasileiro, de Sophia de Souza, e publicado em Lisboa pela Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira. Este livro pretende dar receitas para donas de casa, mas também para profissionais confeiteiros venderem nas lojas. Sugere-nos duas receitas:

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Aletria – 1ª Receita,

como podem observar, nesta receita a aletria depois de cozer, opção com água ou leite, é escorrida e é terminada com adição de manteiga e açúcar. Esta operação dar-lhe-á uma consistência diferente, menos cremosa, mas muito gulosa.

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Aletria – 2ª Receita,

esta receita, é mais elaborada do que a anterior, finalizando com a colocação da aletria sobre uma cama de claras batidos em castelo que depois vão ao forno. Semelhante à primeira receita de “Creme de aletria”.

 

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Em dezembro de 2018 é a minha amiga Justa Nobre que me surpreende com uma aletria de abóbora fantástica e com grandes elogios da nossa saudosa amiga comum, Maria de Lourdes Modesto. Eis o que nos foi servido:

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Aletria de Abóbora by Justa Nobre

É novamente Justa Nobre que neste janeiro de 2023 me serviu uma aletria com abóbora, e que possivelmente provocou esta crónica, que é um produto diferente:

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Aletria com abóbora

Quanto a estas novas receitas sugiro que, se quiserem provar, é só ir ao restaurante NOBRE e encomendar. Se tiverem coragem para pedir a receita terão que convencer a Chef Justa Nobre a facilitar.

Bom Apetite!

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

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